“Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles”. Se pudéssemos resumir em uma frase todas as nossas orientações sobre o jeito e a importância de constituir um grupo de católicos LGBT, usaríamos sem dúvida esse versículo do evangelho de Mateus – palavras do próprio Jesus. De fato, pela nossa experiência, sabemos e acreditamos que o passo básico e fundamental do processo de constituir um grupo é esse: juntar as pessoas e se reunir em nome d’Ele, para viver juntes e coletivamente a experiência do Seu Amor e da Sua Graça. Quanto a isso, se houver interesse e disposição de todo mundo, não há exatamente muito mistério. Mas como sabemos que muitos outros desafios e dúvidas se apresentam no caminho, deixamos aqui também algumas dicas que talvez possam ajudar você que está começando ou pensando em começar a reunir um núcleo.
Antes de começar, devo procurar a Igreja?
Essa costuma ser uma das primeiras preocupações de quem deseja criar um grupo católico LGBT. Antes de responder a essa pergunta, porém, é importante dizer que nós da Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT, ao mesmo tempo em que assumimos o valor da nossa pertença eclesial, assumimos também o protagonismo leigo como um dos princípios norteadores de nossa ação. Movidos pelo Espírito, e em sintonia com o que propõe a Igreja desde o Concílio Vaticano II, valorizamos e exercitamos a vocação que nos convida a evangelizar uns aos outros, e ser Igreja uns para/com os outros, em comunhão nas nossas comunidades de irmãs e irmãos – assim como acontece em tantos outros movimentos, grupos e pastorais. É importante dizer isso porque, por muitas vezes, algumas lideranças e autoridades eclesiais são hostis à nossa presença, ou pelo menos gostariam que a nossa presença fosse um pouco mais invisível (o que se torna impossível quando nos reunimos em grupo e de forma pública); essas resistências, porém, não mudam o fato de que somos membros inalienáveis da Igreja, reunidos pelo sinal do Batismo, e não devem nos demover da ideia e da iniciativa de organizar nossos grupos e encontros. Se for necessário fazê-lo de forma independente, sem apoio institucional, é uma pena, mas façamos! Muitos de nossos grupos funcionam dessa forma, e nem por isso deixam de mostrar as tantas evidências concretas da sua importância: são incontáveis os sinais da ação do Espírito entre nós, na vida das pessoas LGBT que têm encontrado acolhida e comunhão fraterna em nossos grupos. Nos orgulhamos muito de saber e sentir a presença de Cristo caminhando conosco, mesmo diante das resistências que enfrentamos.
Dito isso, a decisão de procurar alguma liderança ou autoridade religiosa pode ser avaliada a partir da realidade de cada cidade, diocese ou mesmo paróquia. Você precisa considerar as possibilidades de diálogo, e avaliar se as autoridades são mais abertas ou mais hostis. Sugerimos evitar tentativas de diálogo com membros do clero que tenham histórico de posturas e discursos agressivos contra as pessoas LGBT, para não desencadear perseguições ou conflitos muito acirrados. Já quando o contexto for mais aberto, é possível procurar o bispo, um padre aliado, uma religiosa ou religioso que possam oferecer acompanhamento pastoral e espiritual. Em relação ao vínculo institucional, é possível existir como grupo de uma paróquia, como pastoral em uma diocese, ou mesmo de forma independente… as possibilidades são várias, e o melhor caminho vai depender mesmo do contexto e do desejo dos membros.
Em qualquer caso, acreditamos que uma coisa segue sendo importante: a comunhão com a Igreja e com as nossas comunidades de fé, inclusive através da nossa presença e participação. Mesmo quando nossos grupos atuam de forma independente, não pretendemos que eles sejam guetos ou substitutos da vivência eclesial, pelo contrário: acreditamos que a presença das pessoas LGBT na Igreja segue sendo fundamental para nos alimentar na caminhada, e para provocar as transformações que são necessárias. Por isso, incentivamos que nossos membros sigam engajados nas suas comunidades, o que pode acontecer de várias formas:
Se o grupo for parte de uma paróquia, pode se envolver com as atividades pastorais organizadas pela comunidade;
Se for um grupo independente, os membros podem escolher alguma paróquia próxima para participarem juntos de missas e outras atividades;
E alguns de nossos grupos também mantêm um fluxo reduzido de reuniões, encontrando-se apenas uma ou duas vezes por mês e evitando se reunir aos domingos, por exemplo, para que os membros consigam conciliar as atividades do grupo com a participação ativa nas suas comunidades de origem.
Mais uma vez, os caminhos são diversos. Fica a cargo das lideranças e dos membros de cada grupo avaliar e entender a melhor forma de manter o vínculo e a comunhão com a Igreja, dentro do que for possível e cabível em cada realidade.
Como preparar as reuniões?
Nesse ponto, nossos grupos são marcados por uma diversidade tão grande quanto a nossa própria diversidade – de dons, culturas, realidades, origens e mesmo de necessidades. Por causa disso, o jeito de fazer reunião varia muito de um grupo para outro e não há muitas fórmulas: também é uma coisa que vai se descobrindo com o tempo. Todos nós temos um pouco de celebração, um pouco de partilha, um pouco de reflexão, um pouco de estudo bíblico, e assim por diante. E a depender do perfil e dos carismas, alguns grupos acabam fazendo mais uma coisa do que outra, como também é comum na diversidade de movimentos e pastorais que temos na Igreja como um todo.
Contudo, com o tempo, refletindo sobre as nossas experiências e pensando nos principais desafios do acolhimento pastoral de pessoas LGBT, fomos organizando uma espécie de “pedagogia de pastoral”, que descobrimos que já costumava ser um fio condutor comum da ação de quase todos os nossos grupos, desde o surgimento deles. Em nosso 2º Encontro Nacional, no ano de 2018, sistematizamos essa proposta e chamamos ela de Pedagogia de Emaús, inspirados pelo relato do Evangelho de Lucas. Essa proposta incorpora 4 práticas fundamentais que achamos importantes de serem favorecidas na preparação das nossas reuniões e atividades. Sobre isso, o texto da constituição da nossa Rede diz o seguinte:
“Em nosso trabalho de acolhida e acompanhamento pastoral das pessoas LGBTI+ em nossos grupos, nos inspiramos pelos gestos de Jesus no encontro com os discípulos a caminho de Emaús (Lucas 24, 13-35): se aproximando dos discípulos, Jesus escuta o que eles vão conversando pelo caminho; lhes explica as Escrituras; parte o pão com eles; e se deixa reconhecer, despertando nos discípulos o desejo de se levantarem para anunciar a Ressurreição. Assumindo a trajetória de Emaús como uma pedagogia de acompanhamento pastoral, nossos grupos buscarão favorecer:
1. Escuta: Desejamos promover espaços de escuta das coisas que as pessoas LGBTI+ têm conversado, experimentado, vivenciado e enfrentado enquanto vão andando pelos seus diversos caminhos neste mundo. Desejamos romper com um ciclo histórico de silenciamento e invisibilidade desses sujeitos na Igreja e na sociedade, construindo ambientes de partilha e acolhida fraterna das nossas histórias e dos dons que temos a oferecer.
2. Reflexão: Assumimos o Evangelho como fundamento e referência dos nossos trabalhos, e buscamos iluminar o nosso caminho e as nossas realidades por meio da construção de espaços de escuta, partilha, reflexão e debate sobre a mensagem presente nas Escrituras e no ensinamento da Igreja.
3. Partilha do pão: Somos desejosos da companhia do Senhor, e procuramos reconhecê-lo junto às nossas comunidades de fé, na partilha da Eucaristia e na participação nos sacramentos, que devem ser “portas abertas” a todas as pessoas que queiram se aproximar deles (Evangelii Gaudium, n. 47).
4. Anúncio da Boa Nova: Trabalhamos para despertar nos membros de nossos grupos o ardor no coração que resulta da convivência com Jesus, provocando o desejo e a missão de sair para anunciar a esperança da Vida que vence a morte, em todos os lugares onde ainda impere a injustiça e a violência, especialmente contra pessoas LGBTI+.”
São muitas as ferramentas que podem nos ajudar a desenvolver essas práticas em nossos grupos: rodas de escuta e partilha, dinâmicas de grupo, músicas, textos para reflexão e discussão, participação nas missas e celebrações, retiros, momentos de oração, campanhas e gestos concretos junto à comunidade, espaços de amizade e convivência, etc. Aqui no site, você encontra alguns subsídios e materiais que podem ajudar nessa parte, principalmente no caso de grupos que estão começando. Uma dica bacana é também aproveitar os dons e os talentos dos membros do grupo, garantindo que mais pessoas tenham a oportunidade e a possibilidade de colaborar na preparação dos encontros e das atividades.
Como posso divulgar os encontros e atrair mais pessoas?
Esse é um ponto que por vezes pode acabar sendo delicado, considerando que coletivos de católicos LGBT, quando vêm à público, volta e meia enfrentam reações hostis de grupos e pessoas fundamentalistas que repudiam nossa existência. Ao mesmo tempo, sabemos que não queremos nem devemos permanecer em mais um armário, e reconhecemos a importância de publicizar nossa mensagem e as nossas ações, tanto para convidar novos membros, quanto para mostrar que existimos também. Encontrar um equilíbrio diante disso não é simples, mas sugerimos algumas práticas que podem ser adotadas caso haja a necessidade de proteger um pouco mais a segurança dos membros de cada grupo:
A divulgação dos nossos encontros e ações nas redes sociais ainda tem sido uma das melhores alternativas que temos para alcançar novas pessoas e ampliar o alcance da nossa mensagem. Pra fazer isso de forma mais segura, pode-se publicizar sempre as datas e os horários dos encontros, mas omitir informações sobre lugar e endereço – o que poderá ser informado em privado a quem vier perguntar mais diretamente. Desse modo, se mantém um pouco mais de controle sobre as pessoas que aparecerão nas reuniões, evitando presenças hostis inesperadas.
Os grupos virtuais em plataformas como Whatsapp e Facebook são boas ferramentas, mas têm limites. Recomendamos usar essas ferramentas apenas para manter os membros do grupo em contato, adicionando novas pessoas apenas depois de elas terem participado de encontros presenciais. Pela nossa experiência, entendemos que muitas vezes as pessoas que são inseridas nesses grupos virtuais acabam nunca aparecendo nos encontros presenciais: se informam sobre o assunto por ali mesmo e não se envolvem mais que isso. Assim, esses grupos acabam não cumprindo com o objetivo de ser um espaço de divulgação das atividades, e ainda podem correr o risco de receber a presença de pessoas mal intencionadas, que entram despercebidas e retiram informações de contexto para nos atacar.
E de modo simples e eficiente, não subestime o poder do bom e velho boca-a-boca. Os membros dos nossos grupos são sempre os melhores nucleadores, aqueles que conhecem e convidam outras pessoas que possam estar interessadas em participar. Movimentam um círculo de afeto e de confiança que é bacana, importante, e seguro pra todo mundo quase sempre.
A quem posso pedir ajuda?
Diante de qualquer necessidade, você pode entrar em contato conosco para pedir por apoio e suporte no andamento dos trabalhos do seu grupo, especialmente nos primeiros passos.
De modo particular, a Rede tem uma equipe que se dedica especificamente à tarefa de oferecer apoio aos grupos e às lideranças dos grupos: é a equipe de Assessoria, que cuida da parte de formação e acompanhamento, desenvolvendo materiais e subsídios, oferecendo ajuda com as principais dificuldades na caminhada do grupo, e sendo um ponto de apoio para quem precisar tirar dúvidas, partilhar e avaliar conquistas, e até pedir socorro. Fomos nós da equipe que desenvolvemos este texto aqui, por exemplo, e você pode falar conosco se precisar de suporte em relação a essas questões todas que levantamos aqui. O nosso email é <assessoriarngc@gmail.com>.
E como somos uma Rede, criada para facilitar a conexão entre os grupos, sugerimos também que você fique em contato com outros núcleos de católicos LGBT em sua região, que podem partilhar experiências e oferecer um suporte mais próximo. Você encontra os contatos dos grupos aqui.
Por fim, a nossa equipe de Coordenação Nacional também é um ponto de apoio importante, que pode ajudar na articulação e no contato com outros grupos e com a Igreja em nível nacional, além de ser a principal referência caso você e os membros de seu núcleo desejem ser parte da nossa articulação. Você pode fazer contato conosco aqui, e conhecer o processo de filiação à Rede Nacional aqui.